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Decisão de Dino de proibir livros por discriminação e homofobia começou por ação de alunos da UEL

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O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a retirada de circulação e destruição de livros jurídicos que contêm trechos homofóbicos e discriminatórios contra mulheres. A editora responsável pela publicação, a Conceito Editorial Ltda, deve pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 150 mil.

As obras, que se referem a homossexualidade como “cultura maléfica”, “anomalia sexual” e “comportamento doentio”, e a mulheres como “lindas e gostosas do uso exclusivo dos jovens playboys”, foram escritas pelos irmãos Luciano Dalvi e Fernando Dalvi e publicadas em 2008 e 2009. A decisão de Dino foi tornada pública no dia 1º de novembro deste ano, e tomou forma por conta da iniciativa de alunos de Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL) em 2013.

Os estudantes encontraram os livros na biblioteca da universidade e se surpreenderam com o conteúdo “extremamente ofensivo, mero discurso de ódio e ofensa com linguagem chula”, como descrito por um deles em entrevista ao Paraná Norte. O homem, hoje professor universitário, prefere manter o anonimato.

Ele fez uma busca intensiva pela biblioteca, consultando todos os livros dos autores “página a página”. Conta que encontrou ainda, além da linguagem ofensiva contra grupos minoritários diversos, passagens idênticas copiadas de outras obras. O homem encaminhou seu levantamento ao Ministério Público Federal, com auxílio de uma colega do curso, e com apoio do Centro Acadêmico de Direito da Universidade redigiu um documento à reitoria pedindo a retirada do material de todas as bibliotecas da UEL, por “afronta ao estatuto da universidade”.

Após consulta com a Procuradoria Jurídica da UEL, o parecer foi favorável à remoção, e 25 volumes impressos e sete arquivos em CD foram retirados do acervo. A Universidade informou a Conceito Editorial Ltda sobre o procedimento adotado, e encaminhou todo o material à Coordenadoria Administrativa do Ministério Público para as providências necessárias. Procurada pelo Paraná Norte, a UEL informou que desde então “as referidas publicações não estão disponíveis para empréstimo aos estudantes do curso de Direito e demais membros da comunidade universitária”.

O professor contou que, na época, descobriu com seus colegas que as obras haviam sido doadas à biblioteca da UEL, e de várias outras universidades pelo Paraná, diretamente pelos autores. Os livros não foram comprados por conta de relevância científica, e sim, foram “implantados nas universidades para disseminar aquele conteúdo, e só lá haviam ficado porque, sinceramente, tinham pouca procura. Foi obra do acaso que meu colega tenha ansiosamente emprestado um conjunto grande de livros o suficiente para abranger essas obras, e que tenha por curiosidade decidido ler alguns trechos que rapidamente julgou espantosos”, afirmou o homem.

Foto: Agência UEL.

Como chegou a Flávio Dino?

O caso foi encaminhado à Suprema Corte a pedido do Ministério Público Federal (MPF), depois de o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que atende o Paraná, ter recusado o primeiro pedido para que a Justiça determinasse a retirada dos livros de circulação.

Em sua decisão individual, o ministro Flávio Dino disse que é preciso “lembrar que essas ‘obras jurídicas’ são compradas principalmente por jovens, em seu momento de formação profissional. É nefasto que entrem em contato com ideias provenientes dessas mentes retrógradas e preconceituosas, que servem apenas para fomentar a violência em nossa sociedade”.

O conteúdo dos livros

Os livros mencionados são Teoria e Prática do Direito Penal (2009), Manual de Prática Trabalhista (2009), Curso Avançado de Direito do Consumidor: Doutrina, Prática e Jurisprudência (2009) e Curso Avançado de Biodireito (2008), todos co-escritos por Luciano e Fernando Dalvi.

As obras percorrem temas como a saúde da população brasileira, dicas para a prosperidade no mercado de trabalho e conselhos para pais manterem seus filhos no “caminho certo”, com um discurso de ódio explícito, que passa longe de ser velado.

Segundo os autores, relacionamentos homoafetivos são uma “máfia gay”, uma “psicopatia sexual que se espalha como uma epidemia no Brasil”. Se referindo à comunidade LGBTQIA+ como promíscua, Luciano e Fernando Dalvi sugerem que contratos de planos de saúde tenham uma cláusula que impeça “grupos de riscos (homossexuais, emos,…)” a contratarem o seguro.

Outra ideia é de que o empregador tenha direito a demitir “funcionários afeminados por justa causa,
por não colaborar com a ordem imposta na empresa”. O mesmo trecho sugere que os empregados procurem a origem de seus “problemas sexuais”, e ainda traz três opções que justificam a orientação sexual dos colaboradores: “1) contaminação de alimentos por hormônios femininos; 2) relação de Édipo com a mãe; 3) incesto do pai em relação ao filho”.

Para erradicar a contaminação pelo vírus HIV, os autores pedem que o Governo Federal proíba a veiculação de “toda e qualquer propaganda que incentive o homossexualismo”, além da criação do Programa ‘Brasil sem AIDS’, que tem como objetivo capacitar médicos a alertarem pacientes sobre “os malefícios do homossexualismo”.

A discriminação chega ao nível de comparar a homossexualidade com o nazismo, afirmando que a “onda arco-íris (causa gay)” tem os mesmos precedentes da “onda vermelha, como foi chamada essa revolução nazista”. A diferença, de acordo com os Dalvi, é que enquanto a “onda vermelha matou milhares de pessoas, a onda arco-íris está querendo adicionar outras cores a este universo maléfico da podridão humana”. Os escritores se referem à Bandeira do Orgulho Gay, criada em 1979 por Gilbert Baker, e os significados destas novas cores também são apresentados:

“VERMELHO – Morte de pessoas pela contaminação do vírus da AIDS;

LARANJA – Corrupção das relações de amizade (homem amigo de
homem é gay);

AMARELO – Amarelamento do povo brasileiro (o medo de falar
contra os gays);

VERDE – Fim da relação parental saudável (avô, avó, cunhado, pai,
mãe, tio, tia…);

AZUL – Humorização Doentia (o povo faz piada e divulga doutrina
homossexual);

ANIL – Corrupção dos Valores Cristãos – Igrejas fazem união de gays
por $$$$;

VIOLETA – Vulgarização da instituição do Casamento.”

Os autores discorrem também sobre como a homossexualidade pode causar o fim da espécie humana, visto que além da “não procriação”, pode ocorrer um “homicídio, isto é, milhares de homossexuais morrerão pela contaminação com a AIDS e, ainda existe o risco social que os bissexuais passem a doença para heterossexuais, e assim, dizimem toda a espécie humana da face da terra”.

De acordo com Flávio Dino, “essas publicações não estão protegidas pela liberdade de expressão, porquanto, nas palavras do Ministério Público Federal, ‘apenas servem para endossar o cenário de violência e preconceito já existente contra essas minorias’”.

A Conceito Editorial Ltda, responsáveis pelas publicações, pode reeditá-las e oferecê-las novamente ao público em geral, “desde que expungidos [eliminados] do seu teor os trechos incompatíveis com a Constituição Federal e decisões deste Supremo Tribunal Federal”, decidiu o ministro.

Por Heloísa Gonçalves

Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

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