Foi uma campanha tensa, como poucas vezes se viu na história da política londrinense. Seja no horário gratuito na TV e no rádio ou nas redes sociais, sobraram acusações, “denúncias”, liminares e “direitos de resposta”. O primeiro turno até teve seus episódios de agressões e ataques, mas, com apenas dois candidatos na disputa, foi no segundo turno que os ânimos ficaram ainda mais acirrados e que o vale tudo quase imperou, não fosse a ação do Ministério Público e da Justiça Eleitoral.
Apesar de Tiago Amaral (PSD) e Maria Tereza (PP) terem assinado o “Pacto pela Paz nas Eleições”, proposto pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) paranaense logo após o primeiro turno, durante praticamente três semanas o eleitor londrinense viu exatamente o contrário. As campanhas dos dois candidatos se concentraram em denúncias e acusações de todo tipo, dos disparos em massa de mensagens de aplicativos a perfis de redes sociais derrubados pela ação de robôs, além de agressões mútuas e até episódios de violência física entre apoiadores, como o registrado na porta da RicTV, no debate do último sábado (19), quando uma apoiadora de Amaral foi agredida por um assessor da CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização) apoiador de Tereza. Ele chegou a ser detido com base na Lei Maria da Penha.
Para o eleitor que tinha a expectativa de ouvir propostas concretas para os problemas da cidade, não só promessas vagas e acusações, ficou a decepção, revelada também pelo alto índice de abstenções no primeiro turno e pela quantidade de indecisos agora na reta final da eleição.
“Eleição mais agressiva”
O analista político e professor de ética e filosofia política da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Elve Cenci avalia que a cidade já teve outras eleições disputadas e “tensas”, como em 2012, quando Alexandre Kireeff venceu Marcelo Belinati no segundo turno e por uma diferença de menos de três mil votos, mas nada comparado ao que se viu agora em 2024. “Naquela eleição, foi mais no campo das ideias e daqueles argumentos que, eventualmente, tinham como objetivo desgastar o adversário. Mas, essa eleição me parece mais tensa, mais agressiva do que as outras e isso chama atenção. Agora, nós temos as redes sociais e existe um fenômeno em que a campanha tem um nível no âmbito oficial da propaganda eleitoral e uma disputa, sem muitas regras, que se dá no campo da produção de fakes news nas redes sociais. Isso tem se intensificado nessa eleição. É uma outra eleição, paralela.”
“Inimigo a ser combatido”
O analista político Elve Cenci afirma que esse ambiente agressivo na disputa eleitoral não é uma exclusividade brasileira ou londrinense e tem como origem o fortalecimento da extrema direita. “Não é uma característica do Brasil, é da política no mundo. Aos poucos, o universo da política está abandonando a disputa no campo das ideias para se tornar um ambiente de combate, em que o adversário passa a ser o inimigo a ser combatido, a ser retirado do jogo. Isso tem tornado a política um campo pouco civilizado, principalmente com o ressurgimento de grupos mais radicais da extrema direita”.
Voto dos indecisos pode definir eleição em Londrina
Ainda que o índice tenha caído nas últimas pesquisas, candidatos apostam nesse eleitorado para vencer a disputa
Os indecisos vão ter papel fundamental no segundo turno, ainda que o índice tenha caído nos últimos levantamentos. É o que avalia o analista político Elve Cenci, professor na UEL (Universidade Estadual de Londrina). “Essa eleição ainda tem um resultado indefinido, com muita gente sem saber em quem votar. E se faltando poucos dias para o segundo turno nós ainda temos todos esses indecisos, isso significa que eles podem pender para qualquer um dos lados. Então, os candidatos não podem cometer erros nessa reta final, porque eles podem definir o posicionamento de parte desse eleitorado e custar a eleição”.
A pesquisa do Instituto Multicultural/Folha de Londrina/Paiquerê 91,7 divulgada na quarta-feira (23) revelou que 12,5% dos eleitores ainda não sabem em quem votar no domingo (27). No levantamento anterior, da semana passada, eram 19,5%. Já a Paraná Pesquisas da quinta-feira (24) apontou 28,6% de londrinenses indecisos, contra 34,3% da amostra de uma semana atrás.
Para o professor, o índice de 27,5% de abstenções registrado no dia 6 de outubro e o número de indecisos agora no segundo turno são reflexo de candidaturas que não empolgaram o londrinense. “Os dois são os que têm mais estrutura, mais dinheiro, mas são nomes que não conseguiram cativar o eleitor. Ou seja, temos um candidato que não entusiasmou na eleição passada, que ficou em quinto lugar, e que também não entusiasmou agora, senão teria vencido no primeiro turno. E por ser um candidato que tem uma estrutura de campanha gigantesca e com dinheiro, ele tinha obrigação de ter todos os dados do Município na ponta da língua para discutir em alto nível.”
Do outro lado, avalia ele, “temos uma candidata que foi secretária municipal de Educação por quase oito anos, que ficou muito conhecida no segmento, mas não tanto fora dele. E ela não soube ‘vender’ a administração do atual prefeito, que tem mais de 70% de aprovação, e trazer dados sobre o que foi feito nesse período e o que pretende fazer em sua gestão. Então, o eleitor vota um pouco com aquela sensação de que não é uma eleição que vá trazer melhorias significativas para a vida dele”, afirma Cenci.
“Não conhecem Londrina”
O professor da UEL avalia que faltou aos candidatos um conhecimento mais profundo da cidade e, por conta disso, as poucas propostas apresentadas se mostraram frágeis. “Nos debates, principalmente o que foi realizado pela TV Tarobá, algumas coisas ficaram claras. Uma delas é que os dois não conhecem Londrina direito e as propostas apresentadas não eram projetos estruturados, possíveis de serem aplicados depois da eleição. Isso revelou a fragilidade dos dois também. Então, foi uma campanha muito pobre nesse sentido, de debates esvaziados e muitos chavões e frases de efeito. Mesmo quando o tempo permitiu, eles não conseguiram trazer propostas viáveis, robustas”, avalia Elve Cenci.
A herança de Belinati
Para Elve Cenci, o maior desafio do novo prefeito ou prefeita é “pensar” políticas públicas que funcionem, principalmente para o desenvolvimento da economia da cidade, além de buscar uma maior articulação com as entidades, a Câmara e o Governo do Estado. “Estou aqui há, praticamente, 30 anos. Vi uma cidade próspera e avançando a passos largos em todos os sentidos. E hoje, vejo uma cidade que parou no tempo. O atual prefeito fez uma boa gestão na resolução do cotidiano. Os serviços públicos estão funcionando mais ou menos de forma adequada, a educação avançou… Na pandemia, ele montou uma equipe técnica e tomou decisões equilibradas. Na minha avaliação acertou muito mais do que errou. Isso beneficiou ele, inclusive na reeleição. Mas, faltaram o planejamento estratégico da economia do Município e o trabalho de coordenação política da Prefeitura”, aponta.
Os desafios do novo gestor na economia
Do ponto de vista do equilíbrio fiscal, o próximo chefe do Executivo municipal vai encontrar uma Prefeitura “equilibrada”, dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas com alguns “problemas” a resolver, entre eles a necessidade de ampliar a arrecadação sem aumentar impostos, avalia o economista e professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Sidnei Pereira. “Ele vai pegar uma máquina equilibrada, mas, vai ter que ser muito eficiente para manter essa máquina equilibrada, vai ter que que conseguir recursos. Porque as despesas têm um crescimento vegetativo, independentemente do prefeito, por conta da questão previdenciária e dos reajustes salariais. Então, não vejo um problema herdado pelo próximo prefeito em relação ao orçamento, mas uma coisa é certa, aumentar a carga tributária para elevar a receita não dá mais. O prefeito vai ter que ter a criatividade para lidar com esse problema do crescimento vegetativo das despesas. Ou seja, vai ter que tirar um coelho da cartola.”
O economista diz que o orçamento da cidade segue dependendo fortemente dos repasses constitucionais feitos pelo Estado e a União, apesar do crescimento de quase 6% ao ano das receitas próprias, entre 2013 e 2023, principalmente por conta da atualização da planta genérica de valores do IPTU, ocorrida em 2017, e que deu um fôlego extra ao Município. “Londrina tem, em média, 45% do orçamento originado de transferências externas, de repasses do Estado e da União. Parte delas, é aquele conhecido ‘pires na mão’, a capacidade do prefeito de ir a Curitiba ou Brasília, bater na porta e conseguir levar recursos para a cidade. O restante (55%) é de recursos próprios, gerados pelo pagamento de tributos, como o IPTU e ISS, entre outros. Ou seja, a capacidade tributária do Município é muito pequena e ele precisa dessas transferências para sobreviver”, afirma.
Sidnei Pereira, economista e professor da UEL. Foto: Agência UEL.
PIB per capita
Outro dado que revela o atual cenário da economia londrinense diz respeito ao chamado PIB per capita, indicador que mede a contribuição média de cada habitante para a produção de bens e serviços de um determinado local e aponta, por exemplo, o nível de riqueza econômica e o padrão de vida de seus moradores. No caso de Londrina, o PIB per capita é de R$ 40.636,00 por ano. Em Maringá, é 27% maior, chega a R$ 52.000,00. “Isso revela que nós temos sido ineficientes”, afirma o economista Sidnei Pereira, da UEL.
Reforma administrativa é o caminho
Com as despesas em constante crescimento e sem a “possibilidade” de aumentar impostos para gerar mais receita, o professor da UEL Sidnei Pereira diz que a saída é uma reforma administrativa. “Apesar de mais difícil de fazer, ela é mais consistente, porque consegue reduzir a despesa da máquina pública, com contratos mais eficientes e que reduzam custos, além de um sistema de gestão interna da Prefeitura que também demande menos mão de obra e mais tecnologia. Mais cedo ou mais tarde, vamos ter que fazer isso, porque aumentar a carga tributária, a sociedade já não aguenta mais”.
Industrialização pede tempo
Outro caminho para ampliar receita e dar conta das demandas do Município, só que a médio e longo prazo, é a tão falada industrialização, que, de acordo com o economista Sidnei Pereira, vai de “vento em popa” em algumas cidades aqui da região, como Ibiporã. Mas para isso, diz ele, o próximo prefeito precisará de uma postura bem mais agressiva e de um grau de eficiência bem maior para conseguir captar essas empresas. “Londrina tem perdido espaço para outros municípios. Precisamos de uma política clara, muito objetiva, de mudança dessa tendência”, avalia, destacando que a industrialização deve ser voltada à cultura do agronegócio, que tem um alto valor agregado e impacta fortemente na economia. “Se o próximo prefeito conseguir atrair indústrias e elas começarem a produzir, a cota do ICMS do Município também aumenta e reforça a arrecadação, mas isso demanda tempo. Ibiporã, por exemplo, está dando um show em Londrina nesse quesito. A arrecadação da cota parte de ICMS per capita lá é muito maior que a nossa, alguma coisa em torno de 50%”, diz Pereira.
Por Marcos Garrido
Foto: Divulgação
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