Quinto município brasileiro com mais salas de exibição por habitante, Londrina vê retomada do “cinema de rua”

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Quem viu as filas quilométricas que se formavam nos corredores da Galeria Vila Rica até as ruas Rio de Janeiro e Piauí, no centro de Londrina, para assistir a Titanic nos cines Londrina e Villa Rica, ao longo do ano de 1998, testemunhou o último momento de apogeu do chamado “cinema de rua” na cidade. Nunca mais aquelas cenas se repetiram depois que o arrasa-quarteirão vencedor de 11 estatuetas do Oscar saiu de cartaz.

Mas essa realidade vai aos poucos sendo revivida. A retomada do Espaço Villa Rica há cerca de dois anos, com a restauração de uma das icônicas salas de exibição, e a volta da programação de filmes no Teatro Ouro Verde mostram que a resistência tem seu valor em uma cidade que gosta de cinema.

Londrina está entre as cidades brasileiras com mais espaços de exibição disponíveis para seus habitantes, segundo o Anuário Estatístico do Audiovisual Brasileiro 2023, divulgado no final de agosto pela Agência Nacional do Cinema (Ancine). São 25 salas ao todo e uma relação de 22.239 habitantes por espaço.

A cidade está na quinta posição do ranking dos chamados grandes municípios (mais de 500 mil habitantes). Outra paranaense que figura na lista é a capital, Curitiba, no quarto lugar com 80 salas de exibição e 22.171 habitantes por sala. Já o Paraná é o quarto Estado brasileiro com mais salas de cinema, com 215, sendo 6,2% do total no País. São Paulo (1.099), Rio de Janeiro (371) e Minas Gerais (274) ocupam as posições acima.

Das 25 salas de cinema londrinenses, as únicas duas que não estão em shopping centers são a do Espaço Villa Rica e do Ouro Verde. São também as salas que não focam somente em filmes comerciais, priorizando, por muitas vezes, longas-metragens alternativos e de arte. Típicas salas do quase extinto “cinema de rua”.  

Ouro Verde nasceu cinema antes de teatro

O pioneiro em Londrina é o Cine Teatro Ouro Verde, “um requintado cinema, com esmerados detalhes que vão desde a arquitetura, às cortinas de veludo, poltronas de couro estofadas, ar-condicionado perfeito e aparelhagem de som e imagem das mais modernas na época”, segundo a Coordenação do Patrimônio Cultural do Paraná. Fundado como cinema em 1953 para comportar 1.500 pessoas, somente em 1978, quando foi adquirido pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) por dez milhões de cruzeiros, teve o “Teatro” adicionado ao seu nome.

Erasmo Cambui Filho é chefe da Divisão de Cinema e Vídeo da Casa de Cultura da UEL, e assim, também o curador dos filmes em cartaz no Ouro Verde. Em entrevista ao Paraná Norte, ele explica que são realizadas seis exibições por semana, sendo uma estreia toda segunda-feira, e diz que “felizmente temos público em todas as sessões”.

Mesmo com o movimento sempre presente, Filho conta que “a sociedade, por inúmeros motivos, perdeu a conexão de assistir a filmes no cinema”. Ele menciona “com felicidade” a volta da programação de filmes no Espaço Villa Rica, mas afirma saber que os cinemas, de rua e dos shoppings, não irão retomar a dimensão que tiveram no passado, antes das inovações na tecnologia e no consumo de entretenimento midiático.

O Cine Teatro Ouro Verde está de volta às origens ao retomar exibições de filmes: espaço foi fundado como cinema em 1953. Foto: Wilson Vieira.

Um “L” a mais e 50 anos de história

A jornalista Sofia Loredo é autora do livro “Por trás das telas: Um relato da cultura londrinense pelo Cine Vila Rica”. A obra narra, por meio de entrevistas e registros antigos, a história do cinema, desde a inauguração em 1968, passando pelos anos de maior movimento em 1970 e 1980, até o eventual fechamento de portas no fim dos anos 1990. Também traz o período de renovação e reformas para a reinauguração em 2022, quando o nome foi alterado para Espaço Villa Rica.

Ela explica que a popularidade da televisão e fitas VHS nos anos 90 foi a grande responsável pela derrocada dos cinemas de rua, que passaram a disputar espaço com concorrentes mais poderosos e tiveram que se reinventar para continuar relevantes. “O Vila Rica sentiu a diminuição de seu público, mas soube se manter forte durante um período, apostando em reexibições de filmes de sucesso e trazendo as grandes estreias mais esperadas pelo público, porém, essa força não foi o suficiente para garantir longa vida ao cinema”, relata.

A inauguração do Catuaí Shopping Londrina em 1990 foi o que trancou de vez as portas do cinema de rua. A autora do livro conta que os donos do cinema do Catuaí também comandavam o Vila Rica, e “avaliaram que o grande investimento deveria ser feito no cinema do shopping center, já que o central não traria o mesmo retorno financeiro e de público”. Ela conta que a última grande bilheteria do Vila Rica foi com a estreia de Titanic em 1998, que ficou em cartaz por quase um ano. “Depois disso, nenhum outro filme fez o mesmo barulho e o Vila Rica se retirou do cenário londrinense silenciosamente”, lamenta.

Sofia Loredo, jornalista e autora do livro que conta a história do Cine Vila Rica. Foto: Arquivo pessoal.

Novos ares no Villa Rica

André Oliveira é professor e curador de cinema do novo Espaço Villa Rica, reaberto em 2022. Quando tinha 19 anos foi o último operador de projeção responsável pela exibição de filmes no espaço original, e retornou à equipe durante a reforma pré-inauguração.

Ele explica que os filmes em cartaz são escolhidos com base em três fatores: oferecer ao público jovem, que não tem relação afetiva com o espaço, a oferta de filmes comerciais; exibir longas alternativos e fora do grande circuito comercial, para atender uma demanda carente desse tipo de programação em Londrina; e por último, resgatar filmes clássicos para que o público reviva os tempos áureos dos cinemas de rua.

Oliveira conta que o cenário para os cinemas de rua ainda é incerto, pela dificuldade de conciliar os custos operacionais com número de frequentadores. Mas afirma que, considerando o contexto atual do mercado cinematográfico, uma cidade do interior como Londrina oferecer programação regular em dois cinemas de rua, históricos e repletos de memórias, é um privilégio.

“Os esforços para reviver estes cinemas merecem maior reconhecimento da população e também do poder público, considero o Villa Rica e o Ouro Verde sobreviventes, que lutam dia a dia para se manterem ativos”, finaliza o curador.

Longas filas para as sessões no antigo Vila Rica, que viveu o auge nos anos 70 e 80. Foto: Espaço Villa Rica.

Por Heloísa Gonçalves

Foto: Espaço Villa Rica

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