Da Redação
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
O cartunista, desenhista e escritor brasileiro Ziraldo morreu, na tarde deste sábado (6), aos 91 anos. A causa da morte não foi divulgada por sua assessoria. O escritor estava com a saúde debilitada há algum tempo, desde que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em 2018.
Nome essencial da literatura para crianças, mas não só, ele marcou e ajudou a formar gerações de leitores com livros como O Menino Maluquinho e Flicts e a série Os Meninos dos Planetas, todos no catálogo da Melhoramentos.
O Menino Maluquinho é considerado um dos maiores fenômenos editorais brasileiros de todos os tempos. Estimativas dizem que foram mais de 110 milhões de livros do personagem vendidos desde 1980, quando ele apareceu.
Ziraldo começou sua carreira nas letras nos anos 1950, escrevendo para veículos de peso como o Jornal do Brasil e a revista O Cruzeiro, e construindo seu trabalho de pintor, chargista, teatrólogo e escritor.
A Turma do Pererê, provavelmente a primeira revista em quadrinhos feita por um só autor lançada no Brasil, fez seu nome no início dos anos 1960, e pavimentou sua entrada na turma de O Pasquim, do qual é fundador. O jornal satírico permaneceu como peça de criatividade e resistência política à ditadura militar brasileira (1964-1985).
Seu trabalho mais recente foi o crossover com A Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa. Eles já haviam trabalhado juntos antes, mas num projeto que em nada se assemelha à ambição de MMMMM – Mônica e Menino Maluquinho na Montanha Mágica, lançado na Bienal do Livro de São Paulo (onde ele era atração disputada e presença constante). O livro é assinado por Manuel Filho e ilustrado pelos dois artistas. “O Mauricio é muito criativo e um desenhista extraordinário que acabou virando um império. Vendeu na Europa, no Japão; é um êxito. E eu fiquei fazendo a minha historinha”, disse.
Em 2012, quando completou 80 anos, disse ao Estadão que já se sentia um ancião. “Eu agora não busco mais nada não (risos). Eu sou velho, que coisa impressionante! É como ver o anúncio do Papai Noel e pensar: “Nossa, chegou o Natal!” Fazer 80 anos é assim: como a chegada do Natal, de repente. Fico me lembrando o tempo todo que tenho 80 anos, para eu não ficar ridículo. Outro dia, falei para a minha neta: “Que coisa feia ficar com esse bico na boca, você já é grande para isso!”. Ela olhou para mim e respondeu: “Vô, não seja ridículo”. E é isso mesmo, tem de tomar cuidado para não ser ridículo com 80 anos (risos).”
Ziraldo Alves Pinto nasceu em Caratinga, Minas Gerais, em 24 de outubro de 1932. Seu primeiro desenho publicado apareceu na Folha de Minas quando ele tinha apenas 6 anos. Depois de uma infância entre o interior de Minas e o Rio de Janeiro, formou-se em direito em Belo Horizonte pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Começou a trabalhar na Folha da Manhã em 1954 e ganhou notoriedade com textos de humor na revista O Cruzeiro e depois no Jornal do Brasil, no início dos anos 1960. Alguns de seus personagens mais célebres, como Jeremias, o Bom e a Supermãe, apareceram nesta época. A Turma do Pererê durou apenas quatro anos, sendo fechada pelo regime militar em 1964. Em 43 edições, porém, teve uma tiragem média de 120 mil exemplares, consolidou o personagem principal (às vezes apenas chamado de Saci), inspirado no folclore brasileiro.
Ele participou da primeira turma de O Pasquim. Logo com sua primeira edição, em 26 de junho de 1969, o Pasquim abriu uma brecha na imprensa brasileira ao utilizar a inteligência e o deboche como resistência à rigorosa censura imposta pelo regime militar, principalmente após o AI-5 em dezembro de 1968.
A ideia do jornal, porém, surgiu antes do Ato Institucional, para preencher o espaço deixado pela morte de Sérgio Porto, em 1968. Tarso de Castro, Jaguar, Sérgio Cabral, Claudius Ceccon e Carlos Prósperi, os dois últimos cuidando do projeto gráfico, elaboraram o Pasquim, e já na sua primeira edição reuniram um time de craques que incluía Millor Fernandes, Luiz Carlos Maciel, Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa – e Ziraldo.
Contrariando até seus admiradores mais otimistas, o jornal foi um sucesso e em dez semanas de existência pulou de 20 mil para 200 mil exemplares por edição. A perseguição política, porém, aconteceu e tornou-se violenta em 1970, quando Ziraldo, Tarso, Francis, Cabral, Maciel, Fortuna, Jaguar, o fotógrafo Paulo Garcez e o funcionário Haroldo passaram dois meses presos (ou “gripados”, como noticiava o jornal, driblando o cerco). Foram 1.072 edições e 22 anos de circulação.
Carreira premiada no Brasil e no exterior
Em 1969, Ziraldo ganhou o Oscar Internacional de Humor no 32.º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas e o Merghantealler, prêmio máximo da imprensa livre da América Latina. Também foi convidado a desenhar o cartaz anual da Unicef. Na década seguinte, começou a se dedicar mais à literatura infantil.
Seu primeiro livro no gênero é Flicts, mas foi com O Menino Maluquinho, de 1980, que chegou a consagração definitiva. Vencedor do Jabuti e dando início a uma trajetória de sucesso com poucos paralelos na história editorial brasileira, o livro que apresenta o personagem começava com a frase: “Era uma vez um menino que tinha o olho maior que a barriga, fogo no rabo e vento nos pés”. Ainda na década de 1980, seus personagens voltaram a aparecer em tiras de jornais, inclusive no Estadão.
Ziraldo teve seus livros traduzidos para dezenas de idiomas. Nos anos 1990, seus personagens também viajaram o mundo ao se transformarem em selos comemorativos de Natal dos Correios. Por pelo menos duas vezes, foi homenageado por escolas de samba no Carnaval do Rio.
Ele teve diversas passagens na televisão, apresentando e participando de programas e produções. O fim de sua vida foi marcado também por polêmicas na Justiça. Em 2011, a Justiça Federal do Paraná condenou o cartunista a dois anos de prisão pelo registro indevido da marca do Festival Internacional do Humor de Foz do Iguaçu, realizado em 2003. Ziraldo foi enquadrado no crime de estelionato. A pena foi substituída por multa e prestação de serviços.
Em outra confusão envolvendo o mesmo festival, ele foi condenado a dividir a devolução de R$ 290 mil num caso de improbidade administrativa referente à edição de 2005. Ele foi absolvido pela segunda instância em 2015 e 2017.
Em 2012, em entrevista ao Estadão, ele propunha uma maneira de ajudar o Brasil: “Eu tenho a solução para a questão da educação no Brasil. É simples: a criança tem de chegar na universidade lendo e escrevendo como quem respira. É só isso que a criança tem de aprender na infância: ler, escrever e contar. A única maneira é ela tendo uma professora só. Não pode a criança ter uma professora nova a cada ano. A criança fica traumatizada de ficar longe da mãe, a professora é aceita como uma segunda mãe, ela se encanta com a professora, volta pra casa, depois, no ano que vem, cadê? Não tem jeito! Nós temos que fazer essa escola”.
Ziraldo consolidou seu nome na cultura do País, e sua perda deixa órfã mais de uma geração de brasileiros.
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