Diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Enio Verri, fala ao Paraná Norte sobre ações da usina voltadas à produção de energia limpa em meio a escassez hídrica e desafios impostos pelas mudanças climáticas
Por Diego Prazeres
Foto: Itaipu Binacional
O cenário que se vislumbra para as usinas hidrelétricas no Brasil não é lá tão cristalino e o Operador Nacional do Sistema (ONS) ligou o sinal de alerta para este ano. Depois do pior janeiro de chuvas da série histórica – com menor incidência do que o esperado – e recordes de demanda de energia, por causa do calor acima da média, o diretor-geral do órgão, Luiz Carlos Ciocchi, estima que os reservatórios das hidrelétricas devem chegar pela metade ao período “seco”, normalmente a partir de abril.
As previsões para o primeiro quadrimestre também são ruins. Apesar de as hidrelétricas ainda registrarem bons níveis de armazenagem de água, em torno de 60%, na média, o consumo vem aumentando. Em novembro, ultrapassou pela primeira vez os 100 mil megawatts (MW), subindo para 101 mil MW em fevereiro.
Segundo Ciocchi, estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que o consumo de energia está aumentando mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) do País.
A expansão do setor elétrico brasileiro tem sido bastante intensa, especialmente por conta das chamadas “novas renováveis” – as fontes eólica e solar.
No ano passado, com as hidrelétricas, as duas fontes chegaram a 92,4% de toda a carga de energia elétrica disponibilizada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). O problema, segundo especialistas, é a velocidade das conexões dessa geração intermitente das “novas renováveis” nas linhas de transmissão.
Além disso, há diversas demandas do setor que precisam ser atendidas por conta das mudanças climáticas. A transição energética é desafio global. O investimento em outras fontes de energia renováveis, como o biometano, exige pesquisa contínua, o que nem sempre atende as expectativas a curto prazo do setor produtivo.
Esses e outros desafios estão na pauta da maior usina hidrelétrica do mundo. É o que garante o diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Enio Verri, em entrevista concedida por vídeo ao Paraná Norte no último dia 22 de fevereiro. “A ideia é conseguir 10% de uma Itaipu só com energia solar”, afirma.
Investimentos em projetos sustentáveis dos municípios do Paraná e a queda de braço com o Paraguai sobre o valor da tarifa de serviços da hidrelétrica também foram alguns dos temas abordados com Verri, maringaense que se licenciou do mandato de deputado federal para comandar pelo lado brasileiro a gigante binacional. Desde o início de sua operação, em 1984, a Itaipu produziu mais de 2,9 milhões de gigawatts-hora (GWh). Confira a entrevista a seguir. (Com informações de Denise Luna/Estadão Conteúdo)
Quais as ações de Itaipu voltadas à produção de energia limpa num cenário de mudanças climáticas, escassez hídrica e a necessidade de acelerar a transição energética?
Itaipu, por ser uma produção de energia hidráulica, já é modelo no mundo de energia limpa, não só por seu tamanho e capacidade de produção, mas pelo tipo de energia que produz. Além disso, a Itaipu tem um parque tecnológico dentro dela, que se chama PTI [Parque Tecnológico Itaipu], e que é muito grande, tem quase 600 funcionários trabalhando nele, e temos convênio com grandes universidades. Para você ter uma ideia, dentro do PTI tem curso de mestrado e doutorado, parceria com a Unioeste [Universidade Estadual do Oeste do Paraná], UEL [Universidade Estadual de Londrina], UEM [Universidade Estadual de Maringá], USP [Universidade de São Paulo], então, é um centro de inovação tecnológica. Dentro do PTI há uma pesquisa já bastante antiga de hidrogênio verde, fonte de energia que é hoje a pauta do mundo, por conta da capacidade de a partir do hidrogênio verde você produzir metanol. Para produzir metanol, que pode mover veículos, uma coisa fundamental é água, e o que não falta na Itaipu, felizmente, é água. Essa pesquisa tem avançado bastante, muitos países estão fazendo parcerias com o nosso parque tecnológico para isso.
Outra coisa que estamos fazendo agora, mas é Itaipu mesmo, leia-se Brasil e Paraguai, porque somos sócios, é utilizar o fio d’água do nosso reservatório para colocar placas solares (foto acima). Já estamos com o protótipo andando, e a partir da experiência dele, se der tudo certo, a ideia é conseguir 10% de uma Itaipu só com energia solar. Então você teria não todo o lago, senão ele ficaria escuro e haveria problemas com a fauna e a flora, mas parte do lago ter em cima da água a placa flutuando e essa placa produzindo energia solar – a região aqui é muito quente, muito boa para isso. Esse é um outro projeto em que estamos bem avançados. Então, eu digo a você que essa marca da energia limpa, da transição energética, é muito forte na missão de Itaipu, ou diretamente pela usina ou por meio de seu parque tecnológico.
Como as grandes empresas e indústrias do Estado consumidoras de energia veem os investimentos em transição energética e as próprias ações de Itaipu voltadas à produção de energia limpa? Conseguem enxergar benefícios? São processos longos e a gente sabe que o setor produtivo tem uma atuação mais imediatista…
O mercado, por si, tem uma visão de curto prazo. Ele sempre quer o lucro rápido e o mais alto possível, e às vezes nessa procura acaba se tornando indiferente aos problemas sociais e ambientais. Isso no mundo todo. A destruição do planeta é resultado da procura desmesurada do lucro. Então, o que o mercado pensa e o que nós temos de projeto nem sempre dá certo, aliás, normalmente colidem. Entretanto, é possível uma empresa com o perfil de Itaipu gerar vantagens para o mercado e continuar seus investimentos sociais e ambientais. Até porque chega uma hora que os empresários e os grandes investidores, pelo menos, têm que perceber que não se trata do lucro de hoje ou de amanhã, têm que perceber que o planeta está sendo destruído, vai acabar. Cuidar do planeta tornou-se hoje um imperativo num debate que não é só da gestão pública, é do mundo todo, e isso estamos notando. Estive em Dubai na Cop 28 [Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, realizada entre novembro e dezembro de 2023] e você vê os grandes empresários, mercado financeiro, até o FMI (Fundo Monetário Internacional), que sempre foi muito frio nessa relação, muito preocupados e criando alternativa para exigir investimento das políticas ambientais. Bem, nesse cenário, com o fim da dívida, a Itaipu conseguiu baixar a tarifa, que era de US$ 22,60 [por quilowatt mês] e hoje é US$ 16,71, são 26% de redução do preço da energia. O preço da energia para a população tem reduzido bastante, a energia elétrica mais barata produzida no Brasil é a de Itaipu. Temos conseguido, com o fim da dívida, baixar o preço da energia para a população e ao mesmo tempo manter os investimentos.
E aí está a essência das dificuldades que temos com o Paraguai. O Paraguai via na Itaipu o fim da dívida e o começo de um investimento muito alto para o desenvolvimento econômico de seu país. Então, ele quer manter a tarifa em US$ 22,60 [por quilowatt mês]. Para nós, a tarifa ideal para manter Itaipu sólida, US$ 14,77. Nós defendemos esse preço, que é muito bom para o que o Brasil precisa e dá para fazer grandes investimentos ambientais, só que o Paraguai quer US$ 22,60. E por que eles querem tudo isso? Porque como nós consumimos toda a energia elétrica produzida e o Paraguai não consome a que ele tem direito, e pelo tratado ele é obrigado a vender para o Brasil, [o Paraguai] quer a tarifa cada vez mais alta, enquanto nós queremos que a população tenha energia barata, porque energia é inclusão social. Então enquanto nós queremos uma energia cada vez mais barata, eles querem uma energia cada vez mais cara. E todos os anos temos que negociar a tarifa. Estamos desde agosto tentando negociá-la e ainda não conseguimos o acordo. O Paraguai quer uma tarifa muito alta, ele tem 50% da empresa e tem direito de pedir isso, nós queremos uma tarifa muito baixa, temos 50% da empresa e o direito de querer baixar, e o acordo não está simples porque é muito longe – arredondando, de US$ 15 para US$ 22, estamos falando de 50%. É muito distante para sair o acordo, e o que tem nos ajudado muito é que a sociedade brasileira, o chamado setor produtivo, está do nosso lado, entende que é possível baixar a tarifa, torná-la mais acessível para a população, e manter o investimento. E esse momento que estamos vivendo com o Paraguai, que não é tão simples, é bastante ruidoso, tem servido para unificar a opinião pública a nosso favor e entender que uma tarifa de US$ 14,77 permitiria manter uma boa política ambiental, mas também ter uma energia mais barata para a população.
E como está a relação de Itaipu com o setor produtivo do Paraná?
É tranquila, eu convivo muito bem com as federações de indústrias e tudo mais, e claro que nos apoiam para que a gente conseguisse manter a tarifa a US$ 14,77. Não é simples, porque tem que haver um consenso. Agora, com certeza não será o que eles estão pedindo.
Qual o intuito da Itaipu com ações de investimentos no Estado, e mais especificamente, na região Norte?
São duas análises, mas absolutamente ligadas uma a outra. A primeira é que quem pagou Itaipu não foi só o Oeste do Paraná, quem pagou foram o Brasil e, dentro dele, o Paraná inteiro, portanto é justo que as benesses que advêm da quitação das dívidas de Itaipu sejam distribuídas de forma mais ampla possível. Bem, mas aí nós tínhamos que ter algum critério técnico para isso. O que justifica eu investir, por exemplo, em Arapongas e Cornélio Procópio e não investir em Curitiba? Então, a equipe técnica aqui de Itaipu fez uma análise a partir dos resíduos que chegam no reservatório de Itaipu. O reservatório é a galinha dos ovos de ouro, enquanto você tiver o reservatório tem a produção de energia, então, quanto mais tempo de vida do reservatório, mais tempo de vida de existência da usina. Hoje o cálculo de tempo de vida é de 194 anos de usina ainda pela frente, porque tem uma política ambiental, que nós estamos ampliando.
E essa análise provou que os 399 municípios do Paraná e 35 municípios do Mato Grosso do Sul – de forma direta e indireta – emitiam resíduos que chegavam ao reservatório. Daí, com essa análise de todos esses 434 municípios que emitem resíduos e esses resíduos chegam ao reservatório, é que nós entendemos que era esse o nosso campo de atuação – não mais só o Oeste do Paraná. A partir dessa análise é que nós construímos o chamado Itaipu Mais que Energia, que é um conjunto de investimentos ambientais, e por resultado, sociais, para conter a emissão dos resíduos.
E sua vinda recente a Londrina e região, no segundo semestre do ano passado, foi para anunciar investimentos da Itaipu por aqui, não?
É, fomos anunciar o que era o Itaipu Mais que Energia e explicar como as prefeituras poderiam ter acesso a esses recursos. O Paraná tem 19 associações de municípios, nós visitamos todas as sedes das associações e fomos explicar o que era o Itaipu Mais que Energia. Primeiro ponto. Segundo, fizemos um encontro aqui em Foz do Iguaçu com representantes de todas as cidades do Paraná do lançamento do que era o Itaipu Mais que Energia, explicamos o quanto tínhamos de recursos e qual era a linha. Terceiro, os técnicos de Itaipu voltaram às 19 associações de municípios e fizeram reuniões com técnicos das respectivas prefeituras explicando como fazer o projeto, onde poderia entrar, como funciona o software, ou seja, demos uma aula para preparar as prefeituras. Aí por fim abrimos o período de edital, as prefeituras fizeram as inscrições. Nós tínhamos critérios que levavam em conta que quanto mais pobre o município maior a nota dele, quanto menor a população também, enfim, montamos um edital para ajudar aqueles municípios mais empobrecidos. A partir dessa análise técnica os municípios se inscreveram, foi feita a avaliação e foram liberados recursos. Em média, deu R$ 2 milhões para cada município do Paraná.
Quanto foi destinado para a Londrina e região?
No conceito aí da região de vocês, pegando sete municípios – Londrina, Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana, Cornélio Procópio e Jacarezinho – o total que a Itaipu depositou foi de R$ 17 milhões. A contrapartida desses sete municípios foi de R$ 3,2 milhões, o que daria um total de R$ 20,2 milhões. Então, esses sete municípios já têm depositado na conta deles na Caixa Econômica, no mês de dezembro, da parte de Itaipu o equivalente a R$ 17 milhões. Agora, o município faz o projeto técnico e manda para a Caixa, que faz toda a análise técnica, libera o recurso e vai fiscalizando a obra. É o mesmo critério adotado em um convênio do governo federal.
A questão da distribuição dos royalties de Itaipu também está sempre em pauta, não? É uma realidade distante para os municípios aqui da região…
É, pra gente é um sonho, né, para Maringá, Londrina, Arapongas [risos]. É o seguinte: quando foi construída Itaipu, foi feito o tratado de Itaipu, que no ano passado completou 50 anos. E neste ano a usina também completa 50 anos. No tratado de Itaipu se fala dos royalties, então não é possível discutir o fim deles. Os royalties sempre existirão. Só que como o tratado completou 50 anos, está prevista a renegociação de um dos anexos do tratado, o chamado anexo C. Ele trata da questão financeira de Itaipu, portanto, estamos iniciando agora, por meio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e Paraguai, assessorados pelo corpo técnico de Itaipu – tanto da margem brasileira quanto da margem paraguaia – a discussão: daqui pra frente, como será a relação, vai mudar a maneira de calcular o preço da energia? Tudo isso começa pelo anexo C, que começa agora a ser negociado. Só que o que pode alterar é se os royalties vão ou não subir de valor. Agora, não há espaço para reduzir ou mesmo eliminar a existência dos royalties para os municípios lindeiros, que são os que foram atingidos pela invasão das águas. Esses sempre terão direito aos recursos.
Uma discussão sobre distribuição mais ampla dos royalties no estado também não cabe?
Não, não dá, e ainda tem muita briga sobre isso. Porque como era feito o cálculo? O percentual de água que entrou no município, os royalties pagam. Por exemplo, Santa Helena [Oeste] é o município que mais foi ocupado pelas águas, então é também o que mais recebe royalties. Só que tem duas observações interessantes: primeiro, Guaíra [Noroeste]. Lá, a água ocupou pouco em extensão, mas ocupou muito em profundidade porque acabou com as Sete Quedas. E Sete Quedas era a indústria de Guaíra, que era um município de 60 mil, 70 mil habitantes. Depois de Itaipu, hoje tem 30 mil. Então, é uma cidade que no cálculo dos royalties perdeu com isso, teve prejuízo. A indústria que movia Guaíra foi extinta.
Segundo ponto: o Oeste do Paraná tornou-se uma meca da produção de suínos, de aves, o alqueire aqui é muito, muito caro. E qual o cálculo que os prefeitos da região fazem? Se não tivesse a ocupação da água, o alqueire que estava ali o cara ganharia muito mais dinheiro hoje produzindo porco, ave, do que recebendo os royalties. Então, o anexo C vai ter muito debate.
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