Por Gilberto Martin*
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
No final de 2023 chamou atenção a fala do fundador da Microsoft e multimilionário Bill Gates elogiando SUS como um exemplo brasileiro a ser seguido por outros países. Destacou deste SUS implantado pela Constituição de 1988, a redução da mortalidade materna em quase 60%, da mortalidade infantil de menores de cinco anos em 75% e o aumento da esperança de vida em quase uma década. “Nenhuma dessas conquistas foi acidental”, disse Gates. O SUS não beneficia somente os vulneráveis, mas a todos, inclusive os muito ricos. Foi jantar naquele restaurante caríssimo? Usou o SUS, pois ele é fiscalizado e obrigado a seguir regras sanitárias determinadas pela Vigilância Sanitária do SUS.
De fato, o SUS e seus resultados a favor principalmente da população mais pobre foram conquistas nada acidentais. Vieram com muito estudo, forte presença do meio acadêmico das grandes universidades brasileiras, mobilização de vários segmentos de profissionais de saúde, políticos, lideranças comunitárias, setores da imprensa e muita mobilização articulada nos anos 1970-80 pelo Movimento da Reforma Sanitária. Envolveu secretários municipais e estaduais e encontros nacionais de setores sociais da área, até chegar na 8ª Conferencia Nacional de Saúde que sistematizou as principais propostas destes movimentos no texto básico aprovado na Constituição de 1988.
Não tinha como ser acidental. O Brasil, economia periférica no capitalismo mundial, posicionado para atender as necessidades e demandas dos países centrais, convivia com uma realidade social duríssima para as populações mais vulneráveis,. Piorada durante a ditadura de 1964 até 1985, com sua economia concentradora de renda e voltada para os interesses do capital externo, de resultados desastrosos para os mais pobres, principalmente na área da saúde, num processo de empobrecimento crescente dos brasileiros, com indicadores sociais entre os piores do mundo.
Na saúde o sistema nacional era injusto. Só tinha direito a ser atendido quem tinha dinheiro para pagar. Ou tinha plano de saúde ou trabalhava regularmente assalariado com carteira de trabalho assinada. Que era menos de 30% da população brasileira. Mais de 70% dos brasileiros (crianças, idosos, adultos desempregados ou na informalidade, famílias inteiras) não tinham direito a qualquer tipo de assistência formal de saúde. Eram atendidos, quando eram, por caridade ou favor, principalmente em períodos eleitorais em troca de votos. A eles sobravam o balconista da farmácia, a rezadeira ou o curandeiro, a ação divina ou a dor, o sofrimento e a morte no abandono.
Talvez para você que tenha menos de 40 anos e que nasceu, cresceu e vive sob o regime do SUS (e da democracia, embora alguns maus brasileiros falem em volta da ditadura), isto possa parecer exagero. Se tiver avós ou bisavós vivos, pergunte a eles como era levar uma criança doente para ser atendida se não tivesse dinheiro, carteira do INAMPS (só para os regularmente empregados com carteira assinada) ou plano de saúde.
Foi neste caldo social nada acidental que o SUS nasceu. E hoje tenta sobreviver ao interesse de grupos econômicos de olho em seu polpudo ainda que insuficiente orçamento. Resistirá?
- Gilberto Martin é médico sanitarista.
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