Um dos maiores nome da cultura paranaense, mãe do FILO deixa como missão a agentes do setor evitar que seu legado se vá
Por Jackeline Seglin / Especial para o Paraná Norte
O final do ano de 2023 chegou com notícia da partida de Nitis Jacon de Araújo Moreira, aos 88 anos, na tarde de 19 de dezembro, em Arapongas. Não seria diferente: muitos choraram sua perda. E muitos também se sentiram impulsionados a não deixar seu legado passar. Como se ela tivesse espalhado sementes, esperando para serem regadas na fértil terra do Norte do Paraná.
Nome ligado a tantos adjetivos, que fica difícil listar: a Nitis “criadora do FILO”, a Nitis “trabalhadora da Cultura”, a Nitis “Dama – e Guerreira – do Teatro”, a Nitis “Médica Psiquiátrica Visionária”, a Nitis “Liderança Política”. Sempre muitas, em uma mesma pessoa – como bem descreveu o jornalista e compositor Bernardo Pellegrini, amigo e parceiro de Nitis em tantos projetos, há mais de 40 anos.
Atual secretário de Cultura de Londrina, Pellegrini destaca a atuação de Nitis Jacon na vida pública, na luta pela cultura independente, pelos valores da arte, e fala sobre a missão de preservar o seu legado. “Ela trouxe à luz uma vida cultural, colocou Londrina no mapa do teatro brasileiro e latino-americano. A cidade é conhecida pelo mundo por conta do Festival. Através dele, Nitis trouxe muita gente para enriquecer nosso repertório, levando também pessoas a se especializarem fora, fazendo um intercâmbio profundo”, diz.
KAZUO OHNO (1906-2010), dançarino e coreógrafo japonês, mestre do Butô Um dos mais importantes nomes que Nitis já trouxe para o Festival. Esteve em Londrina em 1992, e se apresentou junto com o filho, Yoshito Ohno, no Ouro Verde. Ao final, voltou ao palco (Foto: Arquivo FILO)
Pellegrini defende a necessidade de trazer para a rotina da cidade os valores deixados por Nitis com os projetos socioculturais. “O primeiro projeto, que ela realizou ainda nos anos 1980, levou teatro para dentro das escolas de Arapongas e Londrina. Isso tudo influenciou na constituição da Cultura como política pública aqui da cidade”.
Na opinião do secretário, o Festival de Londrina é o grande legado de Nitis. “O FILO vem passando por processos difíceis e a gente tem lutado para superar essas dificuldades. É importante que o Festival de 2024 – o primeiro sem a Nitis entre nós – seja um instrumento para resgatar esse modelo de ativismo”, afirma.
Assim como é preciso trazer para a rotina da cidade – de acordo com o secretário – os valores deixados por Nitis com os projetos socioculturais. “Isso tudo influenciou na constituição da Cultura como política pública em Londrina”, conclui.
Pensamento vivo
“Sempre admirei a forma como a Nitis construía um pensamento durante suas falas. Costurava ideias, referências, processos, experiências de outras pessoas somadas às suas. Acredito que ela conseguiu criar uma rede, com conexões em vários cantos do mundo, que a ajudaram nessa construção”, declara a designer e amiga Elisabete Yunomae, que conviveu e acompanhou Nitis por mais de 30 anos em projetos profissionais e em tardes de conversa na casa em que a médica morava, em Arapongas.
Para ela, o momento é de espalhar novas sementes. Bete cita o livro “Memória e Recordação” sobre os 40 anos do Festival Internacional de Londrina, lançado em 2010 por Nitis Jacon, como referência. Entretanto, na opinião da designer, há muito mais a se registrar sobre seus pensamentos, suas participações na história cultural, política e social das últimas décadas. “Durante mais de 50 anos, Nitis atuou em muitas frentes, perpassando gerações. Isso vai permanecer, sempre”, observa. (J.S.)
“Teatro Municipal Nitis Jacon”
Com as homenagens e despedidas a Nitis Jacon no final do ano, muitas mensagens postadas em redes sociais reivindicam que o Teatro Municipal de Londrina, cuja obra está parada há quase 10 anos, seja batizado com o seu nome. Seria o “Teatro Municipal de Londrina Nitis Jacon”. Pode ser um forte impulso para um movimento de retomada da construção do sonhado centro cultural na cidade.
Nitis reivindicava a construção do Teatro Municipal desde os anos 1970, junto com vários outros artistas, produtores e lideranças da cultura local. Não foi diferente quando participou de mais uma etapa dessa luta, quase 40 anos depois, quando foi escolhida para falar em nome da comunidade cultural em um ato de liberação de recursos, pelo governo federal, para início das obras do Teatro em 2012. O Teatro Municipal de Londrina tem o DNA de Nitis Jacon. Falta ter seu nome. (J.S.)
Trajetória foi além da Cultura
Nitis Jacon nasceu em Lençóis Paulista (SP), em 1935. Mudou-se para o Paraná, cursou Medicina na Universidade Federal, em Curitiba, foi atriz e casou-se com um colega de faculdade, Abelardo Araújo Moreira. Passaram a morar em Arapongas, onde tiveram os três filhos e passaram a maior parte da vida.
Nome ligado a tantos adjetivos, fica difícil listar uma só Nitis / Foto: Arquivo FILO
Atriz premiada, Nitis dirigiu o Gruta (Grupo Universitário de Teatro Arapongas), o Núcleo I e o Proteu, com o qual montou espetáculos memoráveis (ZY-Drina e Bodas de Café). Participou da criação do Festival Universitário de Londrina em 1968 e três anos depois assumiu a direção do Festival (encampado pela UEL). O Festival Internacional de Londrina (FILO) foi concretizado por Nitis após a realização da 1ª Mostra Latino-Americana de Teatro, em 1988. Nitis foi diretora do FILO por 32 anos e tornou-se Presidente de Honra do Festival.
Na UEL, Nitis também foi chefe da Divisão de Artes Cênicas da Casa de Cultura e vice-reitora nos anos 1990. Teve importante envolvimento na criação do curso de Artes Cênicas da UEL, onde também lecionou por curto período. Depois que deixou a direção do FILO e a UEL, foi convidada a dirigir o Teatro Guaíra, em Curitiba, onde implantou um projeto de descentralização cultural pelo Estado. Ao voltar para Arapongas, Nitis continuou a atuar como médica psiquiatra e diretora da Casa de Saúde de Rolândia e também atendia pacientes em um consultório de sua cidade. (J.S.)
DEPOIMENTOS DE QUEM CONHECEU PROFUNDAMENTE A MULTIARTISTA
“Sempre admirei a forma como a Nitis construía um pensamento durante suas falas. Costurava ideias, referências, processos, experiências de outras pessoas somadas às suas. Acredito que ela conseguiu criar uma rede, com conexões em vários cantos do mundo, que a ajudaram nessa construção.”
Elisabete Yunomae (à direita na foto), designer e amiga de Nitis
“Ela trouxe à luz uma vida cultural, colocou Londrina no mapa do teatro brasileiro e latino-americano. A cidade é conhecida pelo mundo por conta do Festival. Através dele, Nitis trouxe muita gente para enriquecer nosso repertório, levando também pessoas a se especializarem fora, fazendo um intercâmbio profundo”
Bernardo Pellegrini, secretário de Cultura de Londrina
“Nitis Jacon foi minha grande mestra no teatro. Aprendi a fazer festival trabalhando com ela, vendo sua ousadia, sua força de trabalhadora da cultura. Ela tinha uma capacidade incrível de juntar pessoas ao seu redor, de compor equipes, grupos de trabalho e grupos de teatro. Ela era uma mulher à frente de seu tempo, visionária que apostava todas as fichas em seus ideais e ganhava sempre. Esteve, até quando pode, ao nosso lado na realização do FILO. Seus conselhos e apoios eram sempre uma ferramenta importante para que cada edição acontecesse. Quando eu tive a honra de ser convidado por ela para assumir a direção do Festival em 2003, fiquei muito assustado. Tive medo, mas assumi com a missão de manter vivo esse legado. Um dos muitos que ela deixa.”
Luiz Bertipaglia, um dos organizadores do FILO
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